quinta-feira, 24 de maio de 2012

O sermão da Sexagésima


Gente na semana passada eu tive que fazer uma breve apresentação sobre O sermão da Sexagésima de Vieira. Confesso que na hora fiquei um pouco perdida porque não sabia por onde começar. Mas depois, o pensamento começou a fluir e eu gostaria de compartilhar com vocês um resumo das coisas que falei. São muitas as relações do sermão com a “Retórica” de Aristóteles. Tentem organizar os conceitos na mente de vocês :-)

1.       O que é sermão?
R: Resumidamente, o sermão é um discurso persuasivo com fins religiosos.
2            2.  Por que “Sermão da Sexagésima”?
R: O sermão da Sexagésima tem esse nome porque foi proferido no penúltimo domingo antes da Quaresma. Data de 1655 em Lisboa. 

A primeira coisa que se percebe ao término da leitura é que o Sermão da Sexagésima é um discurso que trata da arte de pregar, sendo, portanto, um METASSERMÃO. 

Conceito de metalinguagem - Quando você fala utilizando o próprio meio. Ou seja, no sermão da Sexagésima, Vieira apresenta sua teoria sobre a arte de pregar.

Relação entre Sermão e Retórica - A retórica é uma teoria do discurso persuasivo e Vieira constrói seus sermões com o objetivo de persuadir o público.

Quanto à estrutura, em “Retórica”, na parte XIII, “As partes do discurso”, Aristóteles diz: 

São duas as partes do discurso. É forçoso enunciar o assunto de que se trata e depois proceder à sua demonstração.

 Na primeira parte do Sermão, Vieira cita um trecho bíblico e vai desenvolvendo a análise dessa citação.

Vieira questiona os efeitos da palavra de Deus hoje e a causa do insucesso. De quem seria a culpa? De Deus, dos ouvintes ou dos pregadores? Após a análise, a responsabilidade é atribuída ao pregador e são levantadas hipóteses sobre tal responsabilidade.

Vieira critica o estilo dos outros pregadores contemporâneos que pregavam mal, pregavam sobre vários assuntos ao mesmo tempo e acabavam não pregando nenhum. Desta forma, os pregadores estavam agradando aos homens, e não a Deus.

Outra questão é levantada “Se a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus?”. A partir das respostas propostas por ele mesmo, percebe-se o uso da retórica e assim a pregação vai sendo desenvolvida. Só que Vieira não responde sem fundamentos, ele utiliza vários tipos de argumentação para provar suas perguntas. Ele sustenta essas argumentações com exemplos bíblicos, silogismos, sofismas, associações e paradoxos para fundamentar as questões levantadas. Ou seja, ele lança um argumento e vai analisando todas as possibilidades de contestação que o ouvinte poderia fazer.

Vieira mesmo chega a “defender” a argumentação, ao dizer: 

O sermão há de ser de uma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria. Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se deve evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumentos contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.

* Escritura com E maiúsculo = textos sagrados, a Bíblia
* A Argumentação pode ser encontrada o tempo todo no texto – passagens em Latim tiradas do Evangelho. (Os textos “dialogam” com o Evangelho)

Vieira ainda apresenta 5 opções de motivos para a palavra de Deus não frutificar: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz. Através das análises e das metáforas, percebemos a criação de um aspecto visual para o que ele está dizendo.

Em Retórica, Aristóteles diz assim:

 Convém, pois, visualizar as coisas mais na sua realização do que na perspectiva de virem a realizar-se.

A gente percebe essa “visualidade” no trecho:
Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria e continuar a acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vede: uma árvore tem raízes, tem tronco, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria; Deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos não hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repressão dos vícios; há de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo, que é o fruto e o fim a que há de ordenar o sermão.
 Outro ponto importante a se destacar é o “jogo de palavras”, também presente na Retórica de Aristóteles quando ele fala em “elegância retórica”: 

Quanto ao jogo de palavras, este exprime não o que o enunciador efetivamente diz, mas o que resulta da mudança da palavra.

 O grande exemplo do jogo de palavras é o trecho:

Ah pregadores! Os de cá achar-vos-ei com mais Paço, os de lá com mais passos.
 (Paço = palácio/ passos = semeadores que saem de suas terras para semear pelas terras do mundo todo)

Para finalizar minhas observações (e não a discussão sobre a obra de Vieira), é possível relacionar a resposta final de Vieira com o conceito de fruição proposto por Roland Barthes em “O prazer do texto”.

Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem.

Trecho da resposta de Vieira: 

A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, então é a pregação qual convém, então se pode esperar que faça fruto: Et fructum afferunt in patientia.

Garota que Lê
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